No entanto, o meu banho, que não foi muito demorado, acabou com a água quente do “espetacular” Guesthouse Arabella e o tempo estava proibitivo pra que o Eduardo tomasse um banho frio. Assim, eu que já achava estar na hora de fazer algo só por minha conta, pois o período de 9 dias na Itália com meu namorado que fala italiano e tem um GPS natural me deixaram muito dependente, decidi que iria sozinha ao Magistrado. Ele ficava suficientemente perto pra não levar muito tempo e poderíamos nos comunicar via celular no caso de qualquer imprevisto. Calculamos que seria o período em que a água voltaria a esquentar e o Eduardo se arrumaria até a minha volta, portanto, terminei de me arrumar e fui rumo ao meu destino.
Saí na mesma direção do Departamento de Polícia em que havíamos estado no dia anterior e, seguindo um pouco mais, cruzei o rio. Várias confusões de caminho – incluindo eu receber a informação de um passante de que o local ficava num prédio amarelo por ele apontado, mas ir parar num prédio residencial que tinha “Magist.” em uma das identificações do interfone – cheguei finalmente ao tal Magistrado.
Era um edifício relativamente mais alto e bem mais moderno do que os lindos prédios baixos e em estilo art nouveau que embelezam a cidade. O local tinha uma cara de recepção de clínica ou algo parecido. Dirigi-me a um guichê pra falar a frase que havia decorado com o Eduardo e que vim ensaiando durante todo o caminho Entschuldigung, ich spreche kein Deutsch. Sprechen Sie Englisch”. No entanto, na hora de abrir a boca, só saiu mesmo “Sorry, may I speak in English?” ao que o sujeito respondeu de maneira pouco simpática que sim. Expliquei que havia perdido meu passaporte e que o consulado tinha me orientado a fazer o registro pra então poder tirar outro. Ele me indicou um local pra pegar uma senha e um corredor onde eu deveria me dirigir à sala 17.
Segui o caminho indicado e passei por uma ante sala cheia de gente, mas como o rapaz de poucas falas havia me orientado a ir pra sala 17, que era um pouco mais adiante, bati na porta e entrei. Vi uma repartição com cerca de 4 pessoas. Uma delas, uma senhora loura, de uns 50 anos me disse algo em Alemão e com cara feia. Respondi em Inglês que sentia muito, mas não falava Alemão. Completei logo, dizendo que havia perdido meu passaporte e que alguém havia me indicado a sala 17 para os procedimentos. Sem me dirigir o olhar, que estava fixo no computador a sua frente, ela respondeu secamente “You have to wait”.
Como não havia no local ninguém com cara de estar aguardando, deduzi com atraso que a ante sala ali perto deveria servir como local de espera pra todas as salas do corredor. Quando sentei, percebi um display que informava as senhas e as repartições correspondentes. Só então me dei conta do quanto o esquema era certinho e organizado. O problema é que quando não se está acostumado com a organização, principalmente num órgão público, fica um pouco mais difícil de entendê-la.
Aguardei pouco menos de 10 minutos até que meu número aparecesse, indicando-me pra sala 17. Esperei ver uma expressão carrancuda e um tratamento seco da moça que havia me dito pra esperar, mas me enganei. Ela foi muito atenciosa e simpática. Entendi que ela só havia sido seca (na verdade, ela foi apenas objetiva. Nós brasileiros é que somos muito afetuosos... e carentes) porque o processo não estava sendo seguido.
Expliquei novamente o que houve com o passaporte, ressaltando que não sabia se ele havia sido roubado ou perdido, pois a última lembrança que tinha dele era de tê-lo recolocado na bolsa em segurança. A moça respondeu que não faria diferença, pois o procedimento era o mesmo no caso de perda ou roubo. Eu mostrei minha carteira de identidade brasileira, ao que ela sinalizou que seria suficiente como identificação e eu respirei aliviada.
A essa altura, já haviam se passado mais de 40 minutos desde que eu havia deixado o B&B e o Eduardo já me passava mensagens de texto, preocupado em saber se estava tudo correndo bem. Digitei discretamente que estava sendo atendida naquele momento, enquanto passava informações de nome e endereço pra moça preencher o formulário no computador. Ela, então, imprimiu uma primeira versão e pediu que eu corrigisse qualquer informação errada. Depois, me disse que eu teria de pagar 2 Euros e pouco numa tal de Kassa. Diante da minha expressão de interrogação, ela chamou uma moça, falando “Natasha... *alemão*, *alemão*, *alemão*,... Kassa.”. Como uma mocinha levantou sorrindo pra mim e abriu a porta como quem pede pra acompanhá-la, deduzi que ela fosse a Natasha e que fosse me levar à tal da Kassa. Dito e feito. Bem, Kassa nada mais é do que um guichê, que, de uma forma muito austriacamente organizada, tinha um papel enorme em cima, dizendo “Kassa”.
Paguei o valor, retornei à sala 17, peguei o documento de ocorrência, agradeci muito e voltei correndo pro Bed and Breakfast, pois ainda tínhamos de terminar a epopeia Passaporte indo ao Consulado Brasileiro.
Tomamos o metrô e saímos bem próximos ao local indicado. Vale fazer aqui um parêntesis em relação aos transportes vienenses. Que coisa espetacular! Compramos um passe de 72 horas e andamos de metrô, ônibus e tram (bonde elétrico com cara de ônibus) sem passarmos por uma catraca sequer. Várias linhas cruzavam toda a cidade, tornando-a extremamente fácil de andar. Obviamente, conforme todos os transportes sem controle na entrada, há fiscais que eventualmente abordam os passageiros solicitando seus bilhetes em período válido, mas isso nem chegou a acontecer conosco.
Entramos em um prédio bonito. Naquele caso, sim, como 90% dos edifícios vienenses (obviamente, o Arabella estava dentro dos 10% horrorosos) e subimos as escadas até o primeiro andar, onde ficava o Consulado Brasileiro.
Não foi possível ver como era dentro da área de atendimento, mas não nos pareceu um escritório muito grande. Uma parede com 2 guichês separavam uma área interna da área pública. Dessa área interna, não se podia ver muito, mas a área pública dava acesso a um hall, que, por sua vez, dava acesso a uma sala maior, com duas estações de computador desktop, um sofá para espera e a bandeira brasileira.
Não havia ninguém sentado nos guichês, mas, na sala que se via por detrás, avistei uma moça de uns 45 anos, que supus ser a Nilza, com quem havia falado no telefone. Arrisquei perguntando se era ela, que confirmou e lembrou do meu caso. Foi muito simpática e me orientou a preencher o formulário no computador da outra sala, imprimir e depois chamá-la novamente. Enquanto eu fazia isso tudo, o Eduardo aguardava, lendo as notícias que encontrou nas revistas Istoé, ali disponíveis, cuja mais nova datava de 2005 (!!!). Em uma edição de 2003, um José Genoíno pré-evento-mensalão concedia entrevista comentando a experiência e as expectativas da esquerda no poder.
Terminado o formulário, fui de volta à sala do guichê e entreguei-o à Nilza. Ela pediu que eu entrasse na área restrita pra tirar minhas digitais. Enquanto fazia aquele trabalho burocrático, puxou conversa, fuxicando de forma simpática com que eu trabalhava, se eu era casada, se tinha filhos, se o Eduardo era meu marido e por aí vai. Da minha parte, uma leve perguntinha sobre o que a teria trazido a Viena desencadeou em Nilza um relato ótimo e quase ininterrupto. Percebi logo que ela era do tipo que conversava até com poste, naquele perfil bem adequado a alguém que tenha por função atender o público.
Ela me contou que veio a primeira vez a Viena, há mais de vinte anos, motivada de um namorado com quem mantinha correspondência. Quando aqui chegou, descobriu que ele já namorava outra. Voltou logo ao Brasil, desconsolada, mas não sem antes ter notado a cidade interessante de se viver que podia ser a capital da Áustria.
Depois de algum tempo no Brasil – segundo ela, muito bem empregada –, foi a Londres de férias e não mais voltou, pedindo demissão por carta. Em Londres, morou por algum tempo, até que retornou novamente ao Brasil e montou uma empresa. Disse que estava fazendo muito dinheiro até que as coisas mudaram. Nessa parte, ela acrescentou bem vagarosamente, “E você sabe, né? Naaaaaaaaaaaaada é pra sempre nesta vida”. Durante essas vacas magras, fez amizade com uma brasileira que morava em Viena e que a convidou pra ir lá passar uns tempos, tentar a vida.
Lá se foi novamente Nilza pra uma experiência prevista para durar de 4 a 6 meses. No entanto, um mês antes de voltar, conheceu aquele que é seu marido atualmente. A amiga, acrescentou, foi sua madrinha de casamento e, dessa união, nasceu Julian, o filho agora adolescente. Inclusive, Nilza interrompeu várias vezes o atendimento pra falar com “Juju” ao telefone que, segundo ela, só sabia pedir dinheiro. Numa das chamadas, dizia “Não, Julian. Não vai pro parque nada, vai ficar em casa estudando. Pra que você quer 10 Euros, Julian? Nada disso! Ai, Juju, tá bem. Pede à Nana. Se ela tiver, pode ir. Mas me liga, hein? Beijo, meu filho”
Perguntei se o Julian falava bem Português e ela disse que achava que sim, mas que as tias do menino achavam graça do seu sotaque, que ela não percebia. Disse também que era automático pra ele falar com ela em Português e com o pai em Alemão. Fiquei imaginando um jantar na casa da Nilza. Devia ser muito engraçado. Queria ficar perguntando mais coisas, mas tinha medo que ela se distraísse e errasse algo no meu passaporte. Por outro lado, não precisava perguntar muito mesmo, porque ela falava sozinha.
Terminado tudo, paguei os dolorosos 160 Euros e me despedi até o dia seguinte, quando pegaria o passaporte. Aproveitei pra perguntar se ela conhecia algum lugar ali onde poderíamos comer. Eu queria provar uma autêntica comida austríaca, que, segundo o Eduardo, não era nada mais do que salsicha com batatas e, portanto, nada apetitoso. Ela sugeriu um local onde havia tanto pratos típicos, quanto outras opções.
Pra lá partimos curtindo o sol que se abria e esquentava o ar frio e iluminava aquelas construções encantadoras. Decidimos que almoçaríamos e já partiríamos pro Centro, que ficava perto. Nosso próximo destino seria a subida ao topo da Stephansdom.
Chegamos no restaurante indicado por Nilza, chamado 1516, que realmente era ótimo, com atendentes muito simpáticas. Eu pedi Schnitzel com salada de batatas e o Eduardo, mais conservador, foi de hambúrguer mesmo.
Mas, numa coisa, concordamos. Ambos pedimos cerveja pilsen, que veio na módica caneca de 500 ml.
Conforme Arabella já tinha adiantado, a cerveja vienense era ótima. “Gút! Gút bíerrrr!” ela disse, e, de fato, descia “gút” mesmo, de maneira que uma segunda caneca foi necessária pra cada um de nós.
Hum, Viena, sua linda! Aí vamos nós!

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