segunda-feira, 27 de maio de 2013

20 de maio: primeiro dia em Viena

Acordamos com alguns barulhos de conversa no apartamento da família Shrek e suspeitamos que Arabella já tivesse chegado. Aproveitamos pra nos levantar e conhecer melhor Viena, tirando logo a má impressão da cidade, graças à chegada esquisita, no dia anterior.

Depois de pronta, pus-me a preencher o formulário que o ogro da SS havia me dado pra entregar à Arabella, quando fôssemos fazer o pagamento. Preenchi tudo de cabeça, com exceção da data de validade do passaporte, que teria de verificar. Fui pegá-lo na bolsa.

Ele estava no estojo preto, onde morava e só saía estritamente quando solicitado por alguém, mas pra lá voltava imediatamente em seguida. Procurei, procurei, mas não o encontrei. Suei frio. Olhei em volta da bolsa pra ver se não havia escorregado algo pra fora e nada. Comecei a tirar as camadas de casaco que já tinha vestido, porque uma onda de calor tomava conta de mim. Não era possível!

Distraída de carteirinha que sou, já aprendi os mecanismos necessários pras situações de extrema importância, principalmente em viagem. E os cuidados com o passaporte estavam nessa categoria. O procedimento era jamais tirá-lo da bolsa e, quando solicitado, ter consciência de sua reposição no mesmo lugar. E eu havia feito tudo conforme o figurino!

Ainda que sem esperança, pois o estojo onde o passaporte ficava era grande, justamente pra que eu não tivesse dificuldade de encontrá-lo na bolsa, tirei item a item. Mas a realidade era mesmo aquela. Ele simplesmente havia desaparecido.

Retomei mentalmente os últimos passos, procurando lembrar a última vez em que havia visto o documento e foi clara a memória da saída de Veneza. Nos 45 minutos do segundo tempo pra perder o ônibus, depois de colocadas as malas no bagageiro, entramos esbaforidos e mostramos os passaportes ao condutor. Lembro de que me chamou a atenção o fato de o motorista nem ter chegado a pegá-lo. Só viu as capinhas azuis e acenou com a cabeça. E lembro-me também claramente de ter executado o procedimento padrão de retornar o passaporte pra sua casinha de sempre.

Imediatamente, vieram-me à memória os casacos, anéis, guarda-chuvas, canetas, elásticos de cabelo, maquiagens e toda sorte de objetos que já perdi nessa vida. Uma infinidade! O sentimento era sempre o mesmo. Uma frustração enorme por não conseguir controlar essa minha detestável característica de distração. Frustração que é quadruplicada pela reação das pessoas quando ficam sabendo da perda e invariavelmente enxergam o evento como um traço meu de descuido, desleixo, irresponsabilidade ou algo parecido. Só que, nesse caso, era ainda pior. A pergunta que ecoava na minha cabeça era aquela que eu tinha certeza de que iria ouvir daí pra diante,“Como assim você perdeu seu passaporte?”.

Já realizando na minha cabeça que a perda era um fato, confessei o problema ao Eduardo. A primeira reação dele foi refazer comigo a procura e sugerir possíveis locais onde o documento poderia estar. Fizemos juntos a nova busca, mas eu já sabia do resultado, pois me lembrava com clareza de que em momento algum eu havia retirado o sujeitinho azul da bolsa, a não ser dentro do “procedimento-padrão”.

A essa hora, eu, que já estava em lágrimas de culpa e frustração, fui acalmada com uma gentileza e carinho de que só o meu namorado é capaz. Felizmente, o Eduardo é generoso, amoroso e incapaz de me culpar pelo ocorrido. Depois de me tranquilizar, ressaltou que ficaríamos tempo o suficiente em Viena pra resolver aquela situação. Dito isso, rapidamente encontrou na internet o telefone de emergência do consulado brasileiro.

Apesar de ser uma segunda-feira, era feriado em Viena. No entanto, havia um plantão e fui atendida pela funcionária Nilza. Quando disse que ficaria ainda mais 3 noites em Viena, Nilza me garantiu que haveria tempo para um novo passaporte. Eu teria de fazer uma ocorrência na Polícia e levar esse registro até o consulado no dia seguinte, uma vez que estávamos num feriado. Ressaltou que eu teria de pagar uma taxa de 160 Euros (!!!) em dinheiro pelo novo documento, mas que no mesmo dia ou, no máximo, no seguinte, ele estaria pronto. Peguei com ela o endereço do consulado e desliguei um pouco mais aliviada, além de um pouco mais pobre por antecipação também.

Uma vez que muita gente que se preocupa comigo estará tendo notícias dessa questão agora, vale adiantar que deu tudo certo e que já estou de posse do passaporte novo. Refiz meu procedimento, colocando o documento num estojo ainda maior e que oferece bem mais dificuldades para possíveis furtos ou quedas. Também vale adiantar que continuo sem ideia do que pode ter acontecido com o antigo. O mais provável, entretanto, é que ele tenha, de alguma forma, caído no ônibus de Veneza pra Villach.

(passaporte novo)


Cheguei a ponderar algumas vezes se deveria publicar este texto ou não, mas eu acho interessante relatar também dificuldades que fazem parte da viagem. Afinal, sei que vou rir da situação por que passei daqui a algum tempo. Vale dizer também que sermões ou “críticas construtivas” sobre o episódio serão respeitosamente ignorados, pois esse papel eu guardo pra minha própria consciência. Acreditem, não há nada mais punitivo ou analítico do que a ressaca moral de um distraído responsável após um evento como esse.

 Bem, entendida a situação do passaporte, terminamos de ajeitar nossas coisas e fomos, então, conhecer aquela que dava nome àquele peculiar Bed and Breakfast, Arabella.

Arabella era uma alemã loura, de cabelos curtos com mullets e um tanto andrógina. Apertou vigorosamente nossas mãos nos cumprimentando e desandando a falar com um fortíssimo sotaque. Contou-nos que não morava em Viena, pois não gostava de cidades grandes. Vivia no campo, com seu marido e seus bichos. Cuidava de alguns apartamentos, como aquele em que estávamos e, pra isso, contava com a ajuda do casal Shrek, ou seja, Michael e Karin. Perguntou se tínhamos roupas pra serem lavadas, pois ela poderia colocar na máquina e deixar penduradas no nosso quarto sem qualquer pagamento extra. Também nos deu várias indicações sobre a cidade, inclusive sobre a delegacia mais próxima onde eu deveria fazer o registro da perda do passaporte.

Depois da situação dramática da manhã e do carisma de Arabella, a feiúra do apartamento deixou de ser tão importante e saímos felizes com nossa hospedagem, depois de entregarmos a nossa hostess duas sacolas consideráveis de roupa pra lavar.

Andamos até o local indicado sobre a delegacia e um oficial não muito simpático disse que a tal ocorrência não poderia ser feita ali e sim no Magistrado, em endereço que ele nos passou. No entanto, o policial ressaltou que devido ao feriado, o local só estaria aberto no dia seguinte. Decidimos, então, que acordaríamos cedo na terça-feira e faríamos a dobradinha Magistrado – Consulado. Saímos finalmente pra ganhar Viena!

Àquela hora, a rua Mariahilfer já estava com vários restaurantes abertos e paramos em um bastante simpático, chamado Freiraum. Depois que entramos, descobrimos que o espaço era enorme e cheio de ambientes modernosos.

Eu precisava fazer uma certa desintoxicação de carboidratos depois de 8 dias de Itália e pedi um prato de vegetais e alimentos naturais que foi uma delícia. O Eduardo, no entanto, que já estava sofrendo de abstinência hipercalórica, foi de croissant com nutella.



Depois, andamos até o fim da Mariahilfer e fomos até o Museum Quartier. Nossa ideia era caminhar um pouco pela cidade antes de entrarmos em qualquer museu. No entanto, uma chuvinha se anunciava e, por isso, resolvemos começar o passeio pelo museu Leopold, que contava com uma linda coleção de Schiele e Munch, entre outros.

O museu era bem moderno, clean e impecavelmente organizado. Desculpem-me, mas não há como não repetir esse clichê, pois Viena é realmente toda impecável.







Durante a visita, o Eduardo conseguiu fazer contato com sua amiga de infância, Bruna, que mora em Viena e já sabia que estaríamos na cidade por alguns dias. Marcamos de nos encontrarmos na Stephensdom, que é a principal cadedral da cidade após algumas horas.

Depois de uma pausa pra café com strudel no restaurante do Leopold, continuamos vendo a linda coleção daquele museu, que contava com uma área voltada à esplêndida arquitetura da cidade. Numa sacada muito boa dos organizadores, uma parte dessa exposição foi feita com uma janela enorme para que se possa apreciar a arquitetura in loco, que é a própria Viena.







Andamos em direção ao Centro Histórico, onde pudemos conferir toda a grandiosidade explícita do longo período de poder dos Habsburg.




Por volta de 6 da tarde, encontramos com a Bruna e fizemos um tour por parte da cidade, passando pela Ópera, museus Albertina e Secession. Pra jantar, ela decidiu nos levar a um lugar bem interessante e moderno, à beira do rio, chamado Motto am Fluss, onde tomei uma sopa de côco apimentada absolutamente divina e depois uma salada de quinua. Tudo acompanhado com enormes copos de cerveja! Afinal, em Roma, fazemos como os romanos, comendo muita pizza al taglio e em Viena também fazemos como os vienenses, bebendo cerveja em porções de respeito. Foi uma noite super divertida!



Um belo friozinho que iria nos acompanhar e mesmo se intensificar até a estadia em Praga, já começava a dar sinais. Voltamos de metrô, junto com a Bruna e felizes por termos levado casacos mais pesados pra aquele passeio.

Chegando no Bed and Breakfast, repetimos o ritual de tirar o quadro medonho e fomos dormir, exaustos, já com outra impressão da linda Viena.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

19 de maio: chegada em Viena

Por algum motivo insano das companhias ferroviárias austríacas e italianas, não há trem entre Veneza e Viena. Esse foi o motivo pelo qual tivemos de pegar um ônibus até Villach, na Áustria e, de lá o trem pra Viena. Nada propriamente complexo, pois ambos pertencem à mesma empresa, a OBB, e o intervalo foi adequado pra tudo.

Tanto a viagem de ônibus, quanto a de trem, tiveram por cenários campos tão precisamente verdes que me fizeram ter vontade de incorporar a Julie Andrews e sair cantando “The hiiiiiiills are aliiiiiiiveeeeee... and the sound is muuuuuuuuuuuusic”. As casas eram tão perfeitamente pintadas que pareciam ter saído da reforma no dia anterior.




No trem, como ainda não havíamos almoçado, fomos ao vagão restaurante (bem ao estilo Jesse e Celine, em Before Sunrise). Comemos sanduíches de prosciutto e queijo com cerveja austríaca encenando gastronomicamente a transição de fronteiras Itália - Áustria por que estávamos passando.

Depois de uma viagem bem longa (saímos de Veneza às 14:00 e chegamos em Viena às 21:00) e por se tratar de um país cujo idioma não dominávamos, resolvemos pegar um táxi na chegada à estação de Viena.

O motorista foi bastante solícito e, ao parar no local em que deveríamos saltar, resolveu estacionar o carro pra conferir se era naquele lugar mesmo. Achei isso um pouco estranho e depois, eu e Eduardo suspeitamos que ele deve ter achado aquele endereço esquisito demais pra estar certo.

Chegamos numa entrada bem escura e totalmente diversa do estilo impecável que depois conhecemos ser o de Viena. Estranhamos um pouco, mas no painel do interfone, constava direitinho o aviso do nosso Bed & Breakfast, que se chamava “Arabella Guesthouse”. Interfonamos, abriram a porta e fomos pro 6º andar, onde, ao sairmos do elevador, já demos de cara com uma porta aberta. Fui entrando, como fiz em todos os B&B até então e dei de cara com uma cozinha com cheiro fortíssimo de sopa de legumes e carne e um quarto que era um verdadeiro furdúncio.

Meio sem entender que lugar era aquele, sorri meio sem graça pra uma senhora de cabelos muito escuros, olhos muito azuis e que sorria de volta com seus 4 dentes. Perguntei “I´m sorry! Is this Arabella Guesthouse?”. Ela continuou sorrindo com uma certa cara de interrogação e, do fundo do apartamento sombrio, apareceu um sujeito mistura de Shrek com soldado da SS e balbuciou algumas palavras que deram a entender meu nome. Ele queria saber se eu era Ana Paula Mauro. Eduardo confirmou ele indicou um apartamento ao lado do seu, o que nos fez respirar aliviados. Não, não era no muquifo onde eles moravam o lugar em que nos hospedaríamos.

Entramos num pequeno quitinete, observando a decoração do lugar e imaginando como alguém poderia reunir tanta coisa feia num mesmo local. O destaque era pra um quadro sombrio que ficava logo acima da cama e que tratamos de tirar da parede assim que Shrek, ou melhor, Michael, nos deixou sozinhos.



Pouco antes de sair, ele conseguiu nos explicar que Arabella estaria no dia seguinte lá, a partir das 9h e que deveríamos pagar em cash. Além disso, o sujeito nos deu um mapa, onde apontou com uma unha imunda as indicações anotadas por Arabella, em inglês, dos locais principais. Deu-nos também a chave do apartamento, que era a mesma da entrada do prédio.

Saímos para jantar e, encontramos poucas opções abertas na Mariahilfer, que era a rua mais movimentada por perto. Muitas cadeias de fast food e de kebabs, mas nenhum restaurantezinho simpático. Acabamos encontrando uma rede que depois vimos em muitos lugares, chamada Wein & Co, onde comemos sanduíches e batatas fritas. Eduardo tomou água com gás e eu aproveitei o tema do lugar pra tomar vinho tinto.

Voltamos meio ressabiados de retornar à caverna do Shrek, mas foi tudo tranquilo.


Vale adiantar que foi uma chegada um pouco traumática, mas que não representou nada do que vimos em Viena depois. A cidade se revelou linda e adorável, mas pra quem vinha das maravilhas da Itália, foi uma recepção e tanto!

19 de maio: últimas horas em Veneza

Acordamos cedo o suficiente pra aproveitarmos ao máximo Veneza, mas também demos uma enroladinha suficiente pra lembrarmos que estávamos de férias. No café da manhã, conferimos com Marco como faríamos o trajeto até a ferrovia e partimos pro Palazzo Ducale.

O tempo estava bem feio e tivemos de caminhar a maior parte do tempo com guarda-chuva. Em todo caso, não podíamos reclamar, uma vez que, assim como em Roma, nos dias anteriores, fomos agraciados com tempo excelente.

Chegando ao Ducale, já havia alguma fila, embora fosse pequena. Também alugamos um audioguia, o que foi excelente pra compreendermos melhor o enorme poder dos Doges e da própria cidade de Veneza, durante o século XV.

Infelizmente, não era possível tirar fotos dentro do palácio. Inclusive, tomei uma bronca do fiscal, pois sem ter visto qualquer aviso, comecei o passeio registrando os lindíssimos corredores.

O Palácio Ducale se mostrou tão grandioso por dentro quanto por fora, mas com um mobiliário próprio ao prédio administrativo que havia sido e não residencial como o Barberini ou mesmo o Doria Pamphilli, que vimos em Roma. De uma forma geral, o que se repetia pelas salas era uma área de destaque para o trono, rodeada de assentos em madeira para os outros membros do governo.






Nesses cômodos, decisões eram tomadas e sentenças eram definidas, como a da execução de um próprio Doge acusado de traição. Curiosamente, no salão principal, onde há uma sequência de pinturas dos Doges, que recobrem uma faixa que se estende por todo o perímetro das paredes, esse nobre não deixou de ser retratado, só que foi feito com um pano preto cobrindo-o.

Outro detalhe curioso foi uma urna que ligava uma sala a outra. Ela era depositária dos papéis que continham as sentenças a serem aplicadas aos cidadãos ali julgados, muitas vezes, sentenças de morte.

Morte, aliás, era um tema de destaque nesse museu, que contava com um arsenal bélico bastante impressionante. Havia armaduras, capacetes, espadas, lanças,machados, punhais e até mesmo pistolas primitivas. Ou seja, todas as armas que povoam nosso imaginário formado a partir de filmes sobre as batalhas medievais estavam lá. Alguns apetrechos eram finamente adornados, como espadas entalhadas e encrustadas com pedras. Algumas possuíam uma proteção interessante para o punho, com linhas elegantes de metal, enquanto outros, que deveriam pertencer a guerreiros de menor estirpe, eram lisos e sem qualquer personalização. Tampouco pareciam menos letais.

Eu e Eduardo ficamos bastante impressionados, pensando em quantas daquelas lâminas já não teriam tirado vidas, ao longo de batalhas sangrentas.

Também vimos um tenebroso cinto de castidade que deixou no chinelo os que eu havia observado em 2010, no Museu da Tortura de San Gemignano. Uma faixa de metal era presa por tiras ao longo das partes íntimas da mulher. Revestindo a entrada dos orifícios que poderiam ser objeto de investidas alheias, havia serras pontudas, como pequenos punhais voltados pra fora, de forma bastante ameaçadora. Fiquei imaginando a vida dessas mulheres durante o tempo que durasse as batalhas de seus maridos. Ou seja, deviam ser meses usando esses apetrechos infernais. Concluí que o Museu da Tortura seria um local mais apropriado pra eles.

Obras de arte dos principais mestres venezianos revestiam as paredes das inúmeras salas, sendo que sua autoria era majoritariamente de Tintoretto. A Sala Del Maggior Consiglio, a mais imponente de todas, com uma altura de 12 metros, largura de 25 metros e 53 metros de comprimento ostentava quadros imensos desse mestre que devia dominar a preferência dos Doges e de toda a aristocracia de seu tempo.

(foto copiada da Wikipedia)

De toda forma, não era apenas o tamanho dos Tintorettos o que impressionava nessa sala, mas sua arquitetura, que não apresentava nenhuma viga de sustentação ao longo sua impressionante área. O que possibilitava essa disposição, conforme ouvimos uma guia ao lado relatar e depois, a narração de nosso próprio audioguia confirmou, foi a estrutura em forma de um enorme barco de cabeça pra baixo, que só podia ser vista por fora da sala. Afinal, concluiu a guia italiana, não havia nada que os venezianos dominassem mais do que a arte da construção náutica.

O passeio foi concluído com uma visita às prisões do Palácio, que eram ligadas à construção principal por meio da Ponte dei Suspiri. Ela era assim chamada em razão dos suspiros dados pelos prisioneiros que, ao cruzá-la, sabiam que estariam vendo Veneza pela última vez.





Ainda com tempo bastante chuvoso, voltamos do Palazzo Ducale para o Bed and Breakfast, onde havíamos deixado as malas. Marco nos avisou que a regata havia sido interrompida por tempo indeterminado, devido ao mau tempo e que, possivelmente, nosso traguetto deveria já estar passando. Deu as orientações do caminho ao Eduardo (eu nem me dignei a prestar atenção, pois não ia adiantar nada mesmo) pra chegarmos ao ponto do traguetto 5.2 e também, caso tivéssemos a péssima notícia de seu não funcionamento, do caminho a pé (!!!) para a estação.

Saímos com mais de uma hora de antecedência, achando que seria mais do que suficiente. No entanto, qual não foi nossa surpresa, quando constatamos que, mesmo com vários barcos a motor passando pelo canal, justamente o nosso não estava em serviço.

Partimos em disparada, carregando as mochilas e arrastando as malas pelas calçadas medievais e infinitas pontes de Veneza. Obviamente, Senhor Murphy resolveu abrir um belo sol, pra nos deixar suando em bicas. Fui descascando que nem cebola ao longo do caminho, enfiando os inúmeros pulôveres que vestia nas bolsas e amarrando o casaco de couro nas alças da mala pelas mangas. Ou seja, eu estava uma figura.

Na frente, seguia o Eduardo, cujos 3 passos apressados correspondem a 7 dos meus. Ele aproveitava pra conferir o caminho e, logo em seguida, olhar pra trás pra ver se eu estava seguindo. Segundo ele, sempre via uma figurinha bufante com expressão determinada vindo atrás.

Demoramos praticamente uma hora nesse percurso infernal, até que chegamos em Piazzale Roma. Infelizmente, ainda tínhamos de pegar um trem rápido até o local onde ficavam os ônibus e só faltavam 15 minutos pro horário de partida do nosso. Ficamos desesperados quando chegamos e vimos que uma composição acabava de sair e a outra só chegaria em 7 minutos. Como não havia outra escolha, esperamos apreensivos. O percurso era de cerca de um minuto e segundo nossas contas, chegaríamos na conta de pegarmos o ônibus. Se algo atrasasse, já era.

Pegamos o trem seguinte e, assim que ele abriu as portas, deixei as malas com o Eduardo e saí desembestada pelas escadas até o único ônibus com “OBB” que havia escrito na plataforma. Ele já estava com o motor ligado, mas o motorista ainda estava do lado de fora. Disparei ofegante com um idioma que só os desesperados sabem proferir “Signore, espeta um poco, perque mi marito viéne com luggage. Per favore!”. O sujeito riu e fez cara de quem diz “pode se acalmar”. Logo depois, o Eduardo chegou com as malas, que colocamos no bagageiro. Apresentamos os passaportes e entramos tão triunfantes quanto exaustos.

Sentamos e comemos nossos chocolatinhos reservas, ao mesmo tempo felizes e perplexos com a ideia de que um atraso de 2 minutos nos teria feito perder aquele ônibus.


Desse jeito, nem deu tempo pra ficar nostálgica em nosso adeus à Itália.

terça-feira, 21 de maio de 2013

18 de maio: dia inteiro em Veneza


Este post está sendo escrito no fim do dia 21 de maio, enquanto passamos nossa 3ª noite em Viena. Olhando pra trás, relembrando tantas experiências de pura beleza que tivemos na Itália, parece que foi uma outra vida.

Não que Viena seja ruim. De forma alguma! São muitas as virtudes dessa cidade incrível, mas seus relatos ficam pra outro post e Itália é Itália. Agora é hora de falar dela, que é a rainha do meu coração. Mais precisamente, nosso último destino nesse país maravilhoso, Veneza!

O dia 18 foi o único dia inteiro que passamos em Veneza. O roteiro planejado por nós previa uma série de atrações que não conseguimos cumprir, pois tudo o que vemos demanda o dobro de tempo, já que o ritmo é outro aqui. O fato de a cidade (parte antiga) não ter carros traz uma fluidez diferente das horas. Não que o tempo passe depressa. O que acontece é que ele demanda ser muito bem usado, aproveitado e sorvido na delícia que é simplesmente caminhar pelas ruelas, becos, “campos” (nome dado às praças de Veneza), pontes, canais e igrejas. Um bom exemplo é a vista da torre do Campanário. Nada menos do que um mosaico de infindável deleite para os olhos, pois até os telhados de Veneza são lindos.

Dito isso, voltemos ao dia 18!

O tempo amanheceu novamente divino, com um sol ameno e um céu espetacularmente limpo. Depois de tomarmos nosso café (cappuccino com croissant e nutella) e acertarmos tudo com Marco (simplesmente, uma versão quase idêntica ao pai, 30 anos mais novo e 40% menos sorridente) e partimos novamente pra San Marco.

A fila pra Catedral estava imensa, de maneira que preferimos a da Torre do Campanário. Atrás de nós, alguns russos (como vimos russos a passeio na Itália!) ouviam sobre as maravilhas da cidade. Eles colocaram o volume bem alto pra que os dois pudessem ouvir e um raio de 2 metros em volta, inclusive nós, também escutávamos aquela voz dramática "San Marrrrrrrco...". Enquanto eu tirava fotos de tudo o que podia, o Eduardo aperfeiçoava sua imitação dos camaradas e pensava onde poderíamos conseguir os audioguias de idioma decifrável sobre toda a cidade.





Depois de 15 minutos de fila, entramos na base da torre e alugamos guias pra todos os destaques, por 10 euros cada um. Foi ótimo, pois não tínhamos nenhum impresso com a história das atrações e uma cidade com a importância de Veneza exige ser conhecida, além de apreciada.

Passamos cerca de 40 minutos no topo, ouvindo sobre cada destaque naqueles 360 graus de puro encantamento. Além dos locais históricos, a narração também falava sobre plataformas de madeira que podiam ser vistas nos telhados, onde as venezianas esticavam seus cabelos ao sol, para clareá-los. Soubemos também outras curiosidade interessantes sobre a torre e as colunas na Piazzeta em frente ao Pallazzo Ducale e sobre a bibilioteca, separada do Ducale pela própria Piazzeta.

A torre chegou a cair no início do século XX, mas, obviamente, foi reconstruída mais tarde. As colunas seriam 3, mas durante sua instalação, a do meio caiu no canal e nunca conseguiram resgatá-la. Até hoje os venezianos entendem como mau agouro passar entre as duas colunas. Por último, a biblioteca, projetada por um arquiteto famoso da época, colapsou e caiu, fazendo com que ele fosse preso e só a influência do prestigiado Tiziano o libertou. Ele então construiu novamente a biblioteca, que se mantém até hoje.









Quando chegou meio-dia, o sino deu suas inúmeras (perdemos a conta, mas certamente foram mais de doze) badaladas. Muito interessante ouvir o mesmo som que os venezianos deveriam escutar tantos séculos atrás.



Depois, fomos à Catedral de São Marco e vimos detalhadamente os mosaicos impressionantes que revestem aquela igreja milenar. Depois, subimos pra conferir de perto os Cavalos de Constantino. Tanto os originais, na parte de dentro, quanto as imponentes cópias, na fachada externa da igreja.



Já eram praticamente 3 da tarde quando decidimos seguir pra próxima parte, que era o distrito de Dorsoduro, onde planejávamos almoçar no Il Café ou Café Rosso. Foi impossível segurar a fome até lá, até porque, resolvemos caminhar dando uma volta maior, pra que obrigatoriamente passássemos por Rialto.



Vista  essa linda ponte, depois de uns 15 minutos, acabamos parando numa osteria com atendente extremamente simpática até entrarmos. Depois que eu pedi o menu turístico, ela fechou a cara e não abriu mais. Em todo caso, o que menos me importava era a simpatia dela e sim a comida do lugar, que não fez feio! Eduardo foi de taglione de ragú e eu de spaguetti de frutos do mar, seguido de salada. Só na saída fomos ver que o local era indicado do Trip Advisor. Chamava-se Osteria Ponte “A Patatina”.






Andamos até o Campo di Santa Margarita e depois fomos direto ao Museu Acaddemia, onde pudemos conferir vários mestres venezianos, como Ticiano, Tintoretto e Veronese. A produção intensa do Tintoretto foi algo que nos impressionou. Não só ali, mas também depois, no Pallazzo Ducale, só dava Tintoretto! E ainda há a Scuola di San Rocco que é toda dele!

Ainda tirei algumas fotos no caminho, mas não chegamos a parar em nenhuma outra atração, pois a ideia era fazermos o percurso de traguetto pelo canal grande de San Marco até a Ferrovia, ouvindo no audioguia a respeito de todos os prédios e locais famosos. Essa foi a sugestão da atendente (russa!!!) com quem alugamos o aparelhinho.

Acho que todos tiveram a mesma ideia que nós, na mesma hora, porque o ponto do traguetto estava lotado, de uma maneira que só conseguirmos entrar no segundo que passou. Tivemos de ficar em pé, mas o lugar era relativamente confortável. Depois de algum tempo, algumas pessoas saíram de onde estavam, logo a nossa frente. Dei uns dois passos adiante, indo pra um ponto um pouco mais frontal do barco, quando ouvi um barulhão atrás de mim e pulei! Era o motorista que socava a janela, me avisando que eu estava bem na frente dele. Morri de vergonha e devo ter ficado roxa por uns quinze minutos, pois meu rosto pegava fogo.

Terminado o passeio, convenci o Eduardo a irmos pra San Giacomo, que era uma região próxima ao albergue em que eu havia ficado em 2010. Na época, acabei almoçando por lé e, ao comentar o fato com uma brasileira que morava em Veneza e que conheci naquela viagem, ela se admirou, dizendo que eu havia dado muita sorte. Aquela era a área onde iam os venezianos, quando queriam almoçar ou jantar fora.

Encontramos com facilidade o Campo di San Giacomo e lá estava um dos restaurantes por que procurávamos, o Al Bagolo! Era um anoitecer lindo e como chegamos cedo, conseguimos ficar do lado de fora.






De primo, fui de sopa de legumes e o Eduardo, um penne ao pesto. De secondo, pedi um fígado acebolado com polenta, o que provocou uma reação de aprovação do garçon. Ele exclamou “Hum, buonissimo!”. O Eduardo pediu um filé empanado.

Também tomamos o Spritz, que já era o drink local em 2010 e, pelo visto, continua sendo, pois boa parte das pessoas que foram chegando no restaurante ostentavam felizes seus copos com a mistura de campari, Schweppes, laranja e sabe-se lá o que mais. Vou procurar depois a receita na internet porque até o Eduardo gostou quando provou.

Na volta, caminhamos novamente passando por Rialto pra conferirmos seu visual à noite e depois, seguimos direto ao Bed and Breakfast.



Quando chegamos ao quarto e revimos o roteiro do dia, nos damos conta de que não havíamos entrado no Pallazzo Ducale. Era um passeio obrigatório que eu havia perdido também em 2010. Pra completar, o Franco nos informou durante o café da manhã que no dia seguinte haveria uma regata e que os traguettos não estariam passando. Isso significava que teríamos de ir ANDANDO pra estação ferroviária, o que, além de fazer o perrengômetro apitar descontroladamente, nos obrigava a sair, no mínimo 40 minutos antes do previsto.

Assim, decidimos ir no Ducale e deixar a Scuola di San Rocco pra uma próxima ida a Veneza. Sim, próxima visita, porque Veneza merece prioridade nos roteiros de qualquer ser humano que ame beleza!

Bacione.

domingo, 19 de maio de 2013

17 de maio: chegando em Veneza


Chegamos em Veneza à tardinha, com muita chuva, mas foi relativamente fácil pegar o traguetto 5.2 e quando saltamos na parada Ospedale, o tempo já começava a melhorar.

No caminho para o Casa in Laguna, cruzamos com um senhor muito distinto, grisalho, de barba e que vestia um sobretudo alinhado. Ele perguntou se estávamos procurando o Bed and Breakfast, ao que respondemos que sim. O senhor chamava-se Franco e era pai de Marco, o rapaz com quem eu tratei nossas reservas.

Chegamos num local muito simpático e não acreditamos quando vimos o quarto, que era grande, confortável, com banheiro super moderno e com uma charmosa varanda, de frente pra um dos canais auxiliares.








Depois de colocarmos as malas, Franco deu as instruções gerais do B&B, nos forneceu as chaves e um mapa bem melhor do que aquele que havíamos comprado na estação. Mostrou ao Eduardo as orientações pra atrações mais representativas e eu aproveitei pra perguntar (devidamente traduzida pelo Eduardo) o caminho pro concerto dos I Veneziani, que assistiríamos na Chiesa di San Vidal.

Partimos pra ganhar a cidade e foi muito bacana ver a expressão de êxtase do Eduardo, além dos personalíssimos comentários: “É uma cidade de dimensões humanas. Feita pra gente caminhar, gente passar e não carros!” ou “Esta cidade é beleza pra onde quer que se olhe! É como um Buffet para os olhos!”

Ele foi aprovado com nota 9 no teste maior de seu GPS interno. Só nos perdemos uma única vez, sendo 100% do tempo guiados por ele. O fato de eu já ter ido a Veneza em 2010 era totalmente desprezível do ponto de vista de orientação, pois eu só reconhecia os lugares quando já chegava neles.

No caminho a San Marco, fizemos uma paradinha num bar simpático, cuja bruschetta no balcão nos atraiu. Pedimos sem nos preocupar com o preço, afinal, eram bruschettas e nem estávamos tão perto assim de São Marco. Pois bem, 8 Euros por cada uma nos fez lembrar na marra que estávamos em uma cidade tão linda quanto cara.



Refeitos da fome e do susto com o preço, andamos mais 5 minutinhos até São Marco. O tempo já tinha limpado completamente e o cenário daquela praça emoldurada por um céu perfeitamente azul era de tirar o fôlego! Apesar de já ter estado naquela cidade, ir a Veneza acompanhada do Eduardo foi como se estivesse lá chegando pela primeira vez. Não que antes tenha sido ruim, mas agora foi imensamente melhor.

Ouvimos um pouco de música tocada no Café Florian e andamos às margens do canal grande, admirando o Pallazzo Ducale, a Basílica de São Marco e as ilhas adjacentes até a hora de seguirmos pro concerto. Fomos com bastante antecedência, pois ainda não sabíamos da performance do GPS do Eduardo e não queríamos arriscar nos perdermos com um tempo apertado.









Chegamos com facilidade e, com medo de as coisas já estarem fechadas quando saíssemos do espetáculo (aconteceu isso comigo uma vez em 2010), resolvemos nos abastecer com um pedaço de... PIZZA! Também passamos num mercadinho próximo e compramos uma crostata e uma garrafa de vinho, na intenção de aproveitarmos um pouquinho na varanda, quando chegássemos ao quarto.

Quando entramos na Chiesa San Vidal, desativada há algum tempo, apenas servindo de palco para espetáculos, o lugar já estava bem cheio. As pessoas chegaram com 1 hora de antecedência, mais ou menos, mas foi possível pegar um lugar razoável, já que o espaço não era muito grande. Foram 5 concertos, cada um com 3 movimentos. Cada uma valorizava o solo de um instrumento: violino, violoncelo, oboé, violino e violino. Foi muito bonito e os músicos faziam um grupo interessante, com cada um tocando ao seu estilo: do mais discreto ao mais performático.





Na volta, percebemos que eu devo ter dado algum azar em 2010, pelo dia, ou pela região, pois havia uma infinidade de restaurantes, trattorias, bares e pizzerias abertas. Mas voltamos direto pro Bed and Breakfast, onde abrimos nosso vinho e brindamos na varanda, acompanhando alguns barcos que passavam pelo canal. A brincadeira só não durou muito porque estava frio pra burro e, apesar de bonito, o lugar não estava muito confortável.



Falamos no Skype com a família e capotamos, absolutamente exaustos e felizes.