Acordamos com um aperto pela ideia de deixar Roma. Que
cidade incrível! Pra onde se olha, há história e arte. Basta virar uma esquina
pra se deparar com um legado deixado há 2 mil anos, cujos traços não apenas se
mantiveram nas ruínas, mas se propagaram por meio de sua forte influência na
estética e no pensamento ocidental. Mas, ao menos, estávamos indo pra uma
cidade igualmente incrível, que é Florença, e onde iríamos encontrar-nos com
amigos muito queridos, os 3 gatti: Nandi, Nelson e Andrea.
Ainda tínhamos algumas horas antes de pegarmos nosso trem,
que sairia da Termini, até Santa Maria Novella. O tempo estava nublado e frio,
mas depois de 4 dias de clima impecável, não podíamos nos queixar. Como não
queríamos correr, decidimos ir apenas ao Pallazzo Doria Pamphili, que ficava a
10 minutos do Night and Day e que já estava fechado à visitação, no dia em que
chegamos. Se possível, tentaríamos também dar nova passada na Piazza di Spagna.
Quando fomos na primeira vez, as escadarias estavam lotadas, dada a
apresentação de uma banda dos carabinieri.
No caminho, fizemos uma parada estratégica para a primeira
compra da viagem. Não somos turistas brasileiros típicos, que estão sempre cheios
de bolsas de griffes italianas, mas não resistimos completamente. Desde o
planejamento de viagem, eu havia me programado pra comprar armações de óculos
na Itália, pois o Eduardo absolutamente abomina os meus e, depois de 3 de
estrada, além do estilo já estar bastante ultrapassado, eles já estão pedindo
um certo arrego.
No dia anterior, havíamos percebido uma ótica na Via Del
Tritone, a caminho do Night and Day. O GPS do Eduardo apitou e encontramos a
loja rapidinho, no caminho do Doria Pamphili. Experimentei umas 4 armações
apenas, pois já na segunda, me encantei com uns óculos Tom Ford enormes, que
fazem meu rosto quadrado parecer pequenininho. Assim que os coloquei, o
atendente, que não era nada caloroso, acenou com a cabeça, dando o primeiro
sinal de aprovação e dizendo “questo é molto bello”. O Eduardo também gostou e,
pra quebrar a minha insegurança pelo fato de serem enormes e tão contrastantes
aos meus atuais (pequenos, de formato retangular), me convenceu dizendo que
estavam parecidos com o estilo que as italianas usam, conforme vimos reparando
na viagem. Foi suficiente.
Saí toda prosa com a minha compra e seguimos em direção ao
Pallazzo, onde veríamos o famoso retrato de Velasquez do Papa Inocêncio X, que
era da família Pamphilli. No entanto, o museu se revelou muito mais
interessante ainda, com obras de diversos outros mestres, salas lindíssimas e
narrações no audioguia supostamente feitas por um descendente da família
Pamphilli. Ocorre que o museu é de propriedade dessa família, que abriu o belíssimo
espaço e o acervo inacreditável ao público. Isso deu um caráter intimista à
narração, que trazia comentários curiosos como o do piso de determinado salão
ser feito de uma pedra especial, que necessitava de todo um cuidado, atualmente
feito por máquinas, mas que na infância do narrador, era feito manualmente.
Segundo ele, sua mãe enlouquecia, quando ele e sua irmã, passavam por esse piso
usando rollerblade. Logo imaginei duas pestinhas italianas correndo de patins
pelos salões daquele palácio de sonhos, com uma governanta ao estilo italiana
ralhando logo atrás.
As pinturas ocupavam a parede da altura de um metro e meio
até quase o teto, uma após a outra, ao que o narrador explicou ser um estilo da
época. Valorizava-se o conjunto e não cada obra em particular, como hoje é
feito. Ouvindo esse comentário, lembrei-me do Palácio Pitti, em Florença, que
tem exatamente esse tipo de disposição. Por esse moitvo, às vezes, é até
difícil encontrar um quadro específico pelo qual esteja se procurando, como
aconteceu com o Il Amor Dormente do Caravvaggio, em 2010, que só consegui
encontrar com a ajuda da Nandi, em 2011. Mas, peraí, eu ainda estou em Roma!
Voltando ao Doria Pamphilli, logo nas primeiras galerias,
era possível ver um busto em mármore do Inocêncio X, feito pelo Alessandro
Algardi, que o Eduardo me explicou ser o grande rival do Bernini. Um pouco mais
à frente, vimos um busto do próprio Bernini e ouvimos no audioguia a história
interessante a seu respeito. Bernini era associado ao Papa anterior, Urbano
VIII, de quem era um dos artistas preferidos. O Papa sucessor, Inocêncio X, era
seu inimigo e, por esse motivo, não solicitava muito os serviços do escultor.
Assim, ao receber a encomenda do busto, Bernini esmerou-se ao extremo, conforme
explicado na narração que reproduzo a seguir, com minhas palavras.
Ao que parece, por algum problema no mármore, a estátua
teria se quebrado. A rachadura é facilmente perceptível, bem na base do rosto.
O que seria uma catástrofe pra qualquer outro escultor, não parece ter tirado o
sono do mestre Bernini, que esculpiu, então, uma segunda versão da obra em
mármore. Ela podia ser conferida numa galeria exclusiva, ao lado do
extraordinário retrato de Velasquez. Obviamente, eu e Eduardo retornamos à
primeira galeria pra vermos o primeiro busto e conferimos que o segundo era
melhor, com uma expressão mais interessante e com uma postura mais altiva, já
que o “acidentado” parecia estar um pouco curvado. Ambos tinham um detalhe que
suavizava a estátua, lhe conferindo uma noção ainda mais real. Um dos botões da
vestimenta do Papa parecia estar imparcialmente fechado, como se fosse abrir a
qualquer momento.
Outro ponto muito interessante a respeito dessa história foi
que, segundo a narração, qualquer outro artista teria levado meses pra refazer o
trabalho danificado, ao que Bernini gastou apenas uma semana. Acredita-se, portanto, que o suposto acidente
com o mármore tenha sido, na verdade, o próprio escultor, que teria quebrado o
primeiro busto, apenas pra provar seu virtuosismo.
O retrato de Velasquez, por sua vez, merece também um
destaque à parte. Não sem razão, é a grande atração do Pallazzo Doria Pamphilli
e foi feito pelo mestre espanhol em sua segunda visita à Itália. Esqueça o
semblante bondoso e acolhedor de João Paulo II, as tentativas de sorrisos
simpáticos por Benedeto XVI ou a expressão boa-praça do nosso atual Papa
Francesco. Inocêncio X é a severidade em pessoa. Em pessoa mesmo, porque é essa
a impressão que se tem ao mirar o retrato de Velasquez.
Se temos essa noção agora, na época, o impacto não deve ter
sido diferente, pois depois de concluída a obra, foi feito o comentário famoso
por parte do modelo, descrito na legenda do quadro, “É troppo vero!”, ou seja,
“É verdadeiro demais”. Pelo visto, Inocêncio X não curtiu muito a realidade de
sua dramática tradução em tintas.
No caminho para a Piazza di Spagna, ainda passamos pela
Coluna de Adriano e atravessamos pela última vez (nesta viagem, que fique
claro) as confusas ruas de Roma.
Subimos as escadarias e ficamos contemplando
um pouco a vista até que o horário não nos permitiu mais. Seguimos apressados,
mal conseguindo admirar os prédios interessantes, como este a seguir, onde a porta de
entrada parece levar para a garganta de um gigante.
Chegamos a tempo de comer uma pizza al taglio do lado do
Night and Day, num restaurante que o Eduardo evitou durante os 5 dias, por
achar que era uma mistureba de pratos, mas que acabou nos servindo a melhor
pizza cortada de todas.
Despedimos da Monica prometendo breve retorno a Roma, ao
Night and Day e pegamos as malas, rumo à estação de metrô Barberini e à
Termini.
Arrivederci, Roma!

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