domingo, 19 de maio de 2013

15 de maio: últimas horas em Roma


Acordamos com um aperto pela ideia de deixar Roma. Que cidade incrível! Pra onde se olha, há história e arte. Basta virar uma esquina pra se deparar com um legado deixado há 2 mil anos, cujos traços não apenas se mantiveram nas ruínas, mas se propagaram por meio de sua forte influência na estética e no pensamento ocidental. Mas, ao menos, estávamos indo pra uma cidade igualmente incrível, que é Florença, e onde iríamos encontrar-nos com amigos muito queridos, os 3 gatti: Nandi, Nelson e Andrea.

Ainda tínhamos algumas horas antes de pegarmos nosso trem, que sairia da Termini, até Santa Maria Novella. O tempo estava nublado e frio, mas depois de 4 dias de clima impecável, não podíamos nos queixar. Como não queríamos correr, decidimos ir apenas ao Pallazzo Doria Pamphili, que ficava a 10 minutos do Night and Day e que já estava fechado à visitação, no dia em que chegamos. Se possível, tentaríamos também dar nova passada na Piazza di Spagna. Quando fomos na primeira vez, as escadarias estavam lotadas, dada a apresentação de uma banda dos carabinieri.

No caminho, fizemos uma parada estratégica para a primeira compra da viagem. Não somos turistas brasileiros típicos, que estão sempre cheios de bolsas de griffes italianas, mas não resistimos completamente. Desde o planejamento de viagem, eu havia me programado pra comprar armações de óculos na Itália, pois o Eduardo absolutamente abomina os meus e, depois de 3 de estrada, além do estilo já estar bastante ultrapassado, eles já estão pedindo um certo arrego.

No dia anterior, havíamos percebido uma ótica na Via Del Tritone, a caminho do Night and Day. O GPS do Eduardo apitou e encontramos a loja rapidinho, no caminho do Doria Pamphili. Experimentei umas 4 armações apenas, pois já na segunda, me encantei com uns óculos Tom Ford enormes, que fazem meu rosto quadrado parecer pequenininho. Assim que os coloquei, o atendente, que não era nada caloroso, acenou com a cabeça, dando o primeiro sinal de aprovação e dizendo “questo é molto bello”. O Eduardo também gostou e, pra quebrar a minha insegurança pelo fato de serem enormes e tão contrastantes aos meus atuais (pequenos, de formato retangular), me convenceu dizendo que estavam parecidos com o estilo que as italianas usam, conforme vimos reparando na viagem. Foi suficiente.

Saí toda prosa com a minha compra e seguimos em direção ao Pallazzo, onde veríamos o famoso retrato de Velasquez do Papa Inocêncio X, que era da família Pamphilli. No entanto, o museu se revelou muito mais interessante ainda, com obras de diversos outros mestres, salas lindíssimas e narrações no audioguia supostamente feitas por um descendente da família Pamphilli. Ocorre que o museu é de propriedade dessa família, que abriu o belíssimo espaço e o acervo inacreditável ao público. Isso deu um caráter intimista à narração, que trazia comentários curiosos como o do piso de determinado salão ser feito de uma pedra especial, que necessitava de todo um cuidado, atualmente feito por máquinas, mas que na infância do narrador, era feito manualmente. Segundo ele, sua mãe enlouquecia, quando ele e sua irmã, passavam por esse piso usando rollerblade. Logo imaginei duas pestinhas italianas correndo de patins pelos salões daquele palácio de sonhos, com uma governanta ao estilo italiana ralhando logo atrás.

As pinturas ocupavam a parede da altura de um metro e meio até quase o teto, uma após a outra, ao que o narrador explicou ser um estilo da época. Valorizava-se o conjunto e não cada obra em particular, como hoje é feito. Ouvindo esse comentário, lembrei-me do Palácio Pitti, em Florença, que tem exatamente esse tipo de disposição. Por esse moitvo, às vezes, é até difícil encontrar um quadro específico pelo qual esteja se procurando, como aconteceu com o Il Amor Dormente do Caravvaggio, em 2010, que só consegui encontrar com a ajuda da Nandi, em 2011. Mas, peraí, eu ainda estou em Roma!

Voltando ao Doria Pamphilli, logo nas primeiras galerias, era possível ver um busto em mármore do Inocêncio X, feito pelo Alessandro Algardi, que o Eduardo me explicou ser o grande rival do Bernini. Um pouco mais à frente, vimos um busto do próprio Bernini e ouvimos no audioguia a história interessante a seu respeito. Bernini era associado ao Papa anterior, Urbano VIII, de quem era um dos artistas preferidos. O Papa sucessor, Inocêncio X, era seu inimigo e, por esse motivo, não solicitava muito os serviços do escultor. Assim, ao receber a encomenda do busto, Bernini esmerou-se ao extremo, conforme explicado na narração que reproduzo a seguir, com minhas palavras.

Ao que parece, por algum problema no mármore, a estátua teria se quebrado. A rachadura é facilmente perceptível, bem na base do rosto. O que seria uma catástrofe pra qualquer outro escultor, não parece ter tirado o sono do mestre Bernini, que esculpiu, então, uma segunda versão da obra em mármore. Ela podia ser conferida numa galeria exclusiva, ao lado do extraordinário retrato de Velasquez. Obviamente, eu e Eduardo retornamos à primeira galeria pra vermos o primeiro busto e conferimos que o segundo era melhor, com uma expressão mais interessante e com uma postura mais altiva, já que o “acidentado” parecia estar um pouco curvado. Ambos tinham um detalhe que suavizava a estátua, lhe conferindo uma noção ainda mais real. Um dos botões da vestimenta do Papa parecia estar imparcialmente fechado, como se fosse abrir a qualquer momento.  

Outro ponto muito interessante a respeito dessa história foi que, segundo a narração, qualquer outro artista teria levado meses pra refazer o trabalho danificado, ao que Bernini gastou apenas uma semana.  Acredita-se, portanto, que o suposto acidente com o mármore tenha sido, na verdade, o próprio escultor, que teria quebrado o primeiro busto, apenas pra provar seu virtuosismo.

O retrato de Velasquez, por sua vez, merece também um destaque à parte. Não sem razão, é a grande atração do Pallazzo Doria Pamphilli e foi feito pelo mestre espanhol em sua segunda visita à Itália. Esqueça o semblante bondoso e acolhedor de João Paulo II, as tentativas de sorrisos simpáticos por Benedeto XVI ou a expressão boa-praça do nosso atual Papa Francesco. Inocêncio X é a severidade em pessoa. Em pessoa mesmo, porque é essa a impressão que se tem ao mirar o retrato de Velasquez.

Se temos essa noção agora, na época, o impacto não deve ter sido diferente, pois depois de concluída a obra, foi feito o comentário famoso por parte do modelo, descrito na legenda do quadro, “É troppo vero!”, ou seja, “É verdadeiro demais”. Pelo visto, Inocêncio X não curtiu muito a realidade de sua dramática tradução em tintas.

No caminho para a Piazza di Spagna, ainda passamos pela Coluna de Adriano e atravessamos pela última vez (nesta viagem, que fique claro) as confusas ruas de Roma.





Subimos as escadarias e ficamos contemplando um pouco a vista até que o horário não nos permitiu mais. Seguimos apressados, mal conseguindo admirar os prédios interessantes, como este a seguir, onde a porta de entrada parece levar para a garganta de um gigante.



Chegamos a tempo de comer uma pizza al taglio do lado do Night and Day, num restaurante que o Eduardo evitou durante os 5 dias, por achar que era uma mistureba de pratos, mas que acabou nos servindo a melhor pizza cortada de todas.

Despedimos da Monica prometendo breve retorno a Roma, ao Night and Day e pegamos as malas, rumo à estação de metrô Barberini e à Termini.

Arrivederci, Roma!

Nenhum comentário:

Postar um comentário