Acordamos cedo o suficiente pra aproveitarmos ao máximo
Veneza, mas também demos uma enroladinha suficiente pra lembrarmos que
estávamos de férias. No café da manhã, conferimos com Marco como faríamos o
trajeto até a ferrovia e partimos pro Palazzo Ducale.
O tempo estava bem feio e tivemos de caminhar a maior parte
do tempo com guarda-chuva. Em todo caso, não podíamos reclamar, uma vez que,
assim como em Roma, nos dias anteriores, fomos agraciados com tempo excelente.
Chegando ao Ducale, já havia alguma fila, embora fosse
pequena. Também alugamos um audioguia, o que foi excelente pra compreendermos
melhor o enorme poder dos Doges e da própria cidade de Veneza, durante o século
XV.
Infelizmente, não era possível tirar fotos dentro do
palácio. Inclusive, tomei uma bronca do fiscal, pois sem ter visto qualquer
aviso, comecei o passeio registrando os lindíssimos corredores.
O Palácio Ducale se mostrou tão grandioso por dentro quanto
por fora, mas com um mobiliário próprio ao prédio administrativo que havia sido
e não residencial como o Barberini ou mesmo o Doria Pamphilli, que vimos em
Roma. De uma forma geral, o que se repetia pelas salas era uma área de destaque
para o trono, rodeada de assentos em madeira para os outros membros do governo.
Nesses cômodos, decisões eram tomadas e sentenças eram
definidas, como a da execução de um próprio Doge acusado de traição.
Curiosamente, no salão principal, onde há uma sequência de pinturas dos Doges, que
recobrem uma faixa que se estende por todo o perímetro das paredes, esse nobre
não deixou de ser retratado, só que foi feito com um pano preto cobrindo-o.
Outro detalhe curioso foi uma urna que ligava uma sala a
outra. Ela era depositária dos papéis que continham as sentenças a serem
aplicadas aos cidadãos ali julgados, muitas vezes, sentenças de morte.
Morte, aliás, era um tema de destaque nesse museu, que
contava com um arsenal bélico bastante impressionante. Havia armaduras,
capacetes, espadas, lanças,machados, punhais e até mesmo pistolas primitivas.
Ou seja, todas as armas que povoam nosso imaginário formado a partir de filmes
sobre as batalhas medievais estavam lá. Alguns apetrechos eram finamente
adornados, como espadas entalhadas e encrustadas com pedras. Algumas possuíam
uma proteção interessante para o punho, com linhas elegantes de metal, enquanto
outros, que deveriam pertencer a guerreiros de menor estirpe, eram lisos e sem
qualquer personalização. Tampouco pareciam menos letais.
Eu e Eduardo ficamos bastante impressionados, pensando em
quantas daquelas lâminas já não teriam tirado vidas, ao longo de batalhas
sangrentas.
Também vimos um tenebroso cinto de castidade que deixou no
chinelo os que eu havia observado em 2010, no Museu da Tortura de San
Gemignano. Uma faixa de metal era presa por tiras ao longo das partes íntimas
da mulher. Revestindo a entrada dos orifícios que poderiam ser objeto de
investidas alheias, havia serras pontudas, como pequenos punhais voltados pra
fora, de forma bastante ameaçadora. Fiquei imaginando a vida dessas mulheres
durante o tempo que durasse as batalhas de seus maridos. Ou seja, deviam ser
meses usando esses apetrechos infernais. Concluí que o Museu da Tortura seria
um local mais apropriado pra eles.
Obras de arte dos principais mestres venezianos revestiam as
paredes das inúmeras salas, sendo que sua autoria era majoritariamente de
Tintoretto. A Sala Del Maggior Consiglio, a mais imponente de todas, com uma altura de 12 metros, largura de 25 metros e 53 metros de comprimento ostentava quadros imensos desse mestre
que devia dominar a preferência dos Doges e de toda a aristocracia de seu
tempo.
(foto copiada da Wikipedia)
De toda forma, não era apenas o tamanho dos Tintorettos o
que impressionava nessa sala, mas sua arquitetura, que não apresentava nenhuma
viga de sustentação ao longo sua impressionante área. O que possibilitava essa disposição, conforme ouvimos uma guia ao lado
relatar e depois, a narração de nosso próprio audioguia confirmou, foi a
estrutura em forma de um enorme barco de cabeça pra baixo, que só podia ser
vista por fora da sala. Afinal, concluiu a guia italiana, não havia nada que os
venezianos dominassem mais do que a arte da construção náutica.
O passeio foi concluído com uma visita às prisões do
Palácio, que eram ligadas à construção principal por meio da Ponte dei Suspiri.
Ela era assim chamada em razão dos suspiros dados pelos prisioneiros que, ao
cruzá-la, sabiam que estariam vendo Veneza pela última vez.
Ainda com tempo bastante chuvoso, voltamos do Palazzo Ducale
para o Bed and Breakfast, onde havíamos deixado as malas. Marco nos avisou que
a regata havia sido interrompida por tempo indeterminado, devido ao mau tempo e
que, possivelmente, nosso traguetto deveria já estar passando. Deu as
orientações do caminho ao Eduardo (eu nem me dignei a prestar atenção, pois não
ia adiantar nada mesmo) pra chegarmos ao ponto do traguetto 5.2 e também, caso
tivéssemos a péssima notícia de seu não funcionamento, do caminho a pé (!!!)
para a estação.
Saímos com mais de uma hora de antecedência, achando que
seria mais do que suficiente. No entanto, qual não foi nossa surpresa, quando
constatamos que, mesmo com vários barcos a motor passando pelo canal, justamente
o nosso não estava em serviço.
Partimos em disparada, carregando as mochilas e arrastando
as malas pelas calçadas medievais e infinitas pontes de Veneza. Obviamente,
Senhor Murphy resolveu abrir um belo sol, pra nos deixar suando em bicas. Fui
descascando que nem cebola ao longo do caminho, enfiando os inúmeros pulôveres
que vestia nas bolsas e amarrando o casaco de couro nas alças da mala pelas
mangas. Ou seja, eu estava uma figura.
Na frente, seguia o Eduardo, cujos 3 passos apressados
correspondem a 7 dos meus. Ele aproveitava pra conferir o caminho e, logo em
seguida, olhar pra trás pra ver se eu estava seguindo. Segundo ele, sempre via
uma figurinha bufante com expressão determinada vindo atrás.
Demoramos praticamente uma hora nesse percurso infernal, até
que chegamos em Piazzale Roma. Infelizmente, ainda tínhamos de pegar um trem
rápido até o local onde ficavam os ônibus e só faltavam 15 minutos pro horário
de partida do nosso. Ficamos desesperados quando chegamos e vimos que uma
composição acabava de sair e a outra só chegaria em 7 minutos. Como não havia
outra escolha, esperamos apreensivos. O percurso era de cerca de um minuto e
segundo nossas contas, chegaríamos na conta de pegarmos o ônibus. Se algo
atrasasse, já era.
Pegamos o trem seguinte e, assim que ele abriu as portas,
deixei as malas com o Eduardo e saí desembestada pelas escadas até o único
ônibus com “OBB” que havia escrito na plataforma. Ele já estava com o motor
ligado, mas o motorista ainda estava do lado de fora. Disparei ofegante com um
idioma que só os desesperados sabem proferir “Signore, espeta um poco, perque
mi marito viéne com luggage. Per favore!”. O sujeito riu e fez cara de quem diz
“pode se acalmar”. Logo depois, o Eduardo chegou com as malas, que colocamos no
bagageiro. Apresentamos os passaportes e entramos tão triunfantes quanto
exaustos.
Sentamos e comemos nossos chocolatinhos reservas, ao mesmo
tempo felizes e perplexos com a ideia de que um atraso de 2 minutos nos teria
feito perder aquele ônibus.
Desse jeito, nem deu tempo pra ficar nostálgica em nosso
adeus à Itália.

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